É consensualmente aceite que foi no pequeno arquipélago das ilhas Ryukyu que o Karate se desenvolveu originalmente. Geograficamente, encontra-se situado entre a costa sul do Japão e a Formosa. A sua maior ilha é Okinawa.
O início da povoação de Okinawa remonta ao séc. IV a.C.. Os primeiros colonos eram essencialmente originários da China e das ilhas japonesas a norte. As atividades a que se dedicavam eram a agricultura e a pesca.
Sucessivas invasões japonesas dos sécs. VI ao IX d.C. incentivaram os nativos a organizarem-se politicamente em conjuntos de aldeias comandados por chefes guerreiros. Em sequência dessa evolução, a ilha já se encontrava dividida entre três reinos rivais em 1340. Adicionalmente, desenvolveu-se uma arte marcial chamada "te".
Uma década mais tarde, o maior desses reinos estabeleceu uma relação formal com a China. Assim, em troca do pagamento de tributos, os nobres de Okinawa ganhavam acesso à corte imperial. Inclusive, a alguns deles foi permitida a entrada em escolas pequinenses que lhes proporcionava, o estudo da cultura, arte e ciências chinesas. Esta situação era bastante conveniente ao Japão, eterno rival da China - desta forma, podia manter contatos políticos e comerciais discretos com o seu maior inimigo. Por essa razão, a relação tributária foi até estimulada pelos shogun (generais) nipônicos.
Após anos de lutas internas, deu-se a unificação de Okinawa sob um rei em 1429. Assim se iniciou a dinastia Sho, que governaria durante a era mais próspera da ilha. Durante este período, o comércio floresceu, estabelecendo-se uma extensa rede mercantil que se alastrava a áreas tão distantes como as atuais indochina, a Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas. Com efeito, Okinawa tornou-se uma espécie de Veneza do Extremo Oriente: trocava-se madeiras raras, especiarias, chifre de rinoceronte, marfim e açúcar da Ásia Meridional por têxteis, cerâmica, ervas medicinas e metais preciosos oriundos da China, Japão e Coreia.
Naturalmente, o contato com outros povos trouxe consigo a adoção de novos costumes e certamente ensinamentos das mais diversas artes marciais.
A proibição do uso de armas
Por volta de 1470, desagregou-se a dinastia Sho. Só seria retomada após sete anos de violentas disputas. O novo rei, Sho Shin, pretendia impor-se aos senhores feudais revoltosos. Para isso tomou três medidas: proibiu a posse de espadas a todos os súditos - nobres e camponeses; decretou a sua recolha; e forçou os nobres a viverem na sua corte (Shuri), onde eram mais facilmente controláveis.
Em 1609, deu-se a anexação das ilhas pelo Japão. As medidas decretadas por Sho Shin permaneceram em vigor para os nativos. No entanto, os samurai (nobres guerreiros) nipônicos podiam possuir armas.
Mesmo assim, outras técnicas de combate continuaram a ser desenvolvidas pelos nativos: por um lado, o povo aperfeiçoou o utilização bélica de instrumentos agrícolas - o Ryukyu bujutsu (por exemplo, a "nunchaku"/matraca foi desenvolvida a partir do mangual); por outro, os nobres prosseguiram o aperfeiçoamento do "te".
O aperfeiçoamento de técnicas de combate era feito a horas tardias, por pequenos grupos de pessoas, normalmente familiares, e era envolto de um enorme secretismo. Este aspecto, juntamente com a dispersão geográfica, ajuda a explicar a proliferação de inúmeras variantes do "te" na ilha, que por falta de contato entre elas, se mantiveram bastante distintas. Não obstante, sobressaíram duas grandes escolas de "te" nas cidades de Shuri e Naha - o Shuri-te e o Naha-te, respectivamente.
Também as denominações do "te" se foram alterando com o passar dos séculos. No séc. XIX, passou a chamar-se T'ang-te (mão chinesa) e já no séc. XX, karate (mão vazia).
Surgiram então três principais núcleos de Okinawa-Te, que foram as cidades de Shuri, Naha e Tomari. Conseqüentemente, os três estilos básicos tornaram-se conhecidos como Shuri-Te, Naha-Te e Tomari-Te, respectivamente.
O Shuri-Te teve como precursor To-Te Sakugawa (1782-1862), que foi professor do lendário Sokon Matsumura (1809-????). Sob a tutela de Matsumura passaram grandes nomes do Okinawa-Te, entre eles Anko Itosu (1831-1915), que foi o responsável pela introdução desta arte nas escolas públicas de Okinawa. O Shuri-Te foi a base dos estilos que vieram a se chamar Shotokan-Ryu, Shito-Ryu e Isshin-Ryu.
O Naha-te teve Kanryo Higaonna (1853-1917) como seu grande promotor. Higaonna iniciou seus treinamentos com Seisho Arakaki (1840-1920), tendo em seguida embarcado numa jornada para a China em busca do aperfeiçoamento de sua técnica. Seu aluno mais famoso foi Chojun Miyagi (1888-1953), que mais tarde desenvolveu o estilo Goju-Ryu.
O Tomari-Te foi desenvolvido principalmente por Kosaku Matsumora (1829-1898) juntamente com Kokan Oyadomari (1827-1905). Matsumora ensinou Choki Motobu (1871-1944) enquanto Oyadomari teve como aluno Chotoku Kyan (1870-1945), dois dos mais famosos professores da época. Até então o Tomari-Te era amplamente ensinado e influenciou tanto o Shuri-Te como o Naha-Te.
HISTÓRIA DO ESTILO SHOTOKAN
Em Okinawa, o pequeno Gichin Funakoshi, por volta de 1880, no fim da infância e começo da adolescência, começou a praticar o karatê sob os auspícios do mestre Anko Asato — experto nos estilos shuri-te, de caratê, e Jigen-ryu, de kenjutsu — que era amigo de seu pai e tinha sido discípulo do grande mestre Bushi Matsumura.
O jovem Funakoshi, além de outros interesses muito caros, tinha especial apreço pelas artes marciais, sempre buscando novos ensinamentos. Assim, não depois de enveredar pelo karatê, passa a treinar com mestre Anko Itosu, com quem aprende as principais técnicas.Por outro lado, o aprendizado se deu com outros mestres de renome, com os quais, além de obter novos conhecimentos, também foi influente, como Kenwa Mabuni, Kanryo Higaonna, Chojun Miyagi.
O mestre Itosu empreendera sérios esforços para popularizar a arte marcial, não sendo muito bem-sucedido, porém talvez o mais significativo seja a mudança de nome da arte marcial desarmada de Okinawa, de tode (mão sínica) para karate (mão vazia), o que significou naquela época, fim do século XIX, uma enorme mudança de paradigma e o rompimento de uma barreira cultural. Funakoshi fez parte dos movimentos e despendeu novos esforços, no sentido de popularizar o caratê não só em sua terra natal mas em todo o Japão. Calhou de, em 6 de março de 1921, o príncipe herdeiro Hirohito assistir a uma demonstração encabeçada por Gichin Funakoshi, no castelo de Shuri, ajudado por seus discípulos e pelo mestre Miyagi.
Depois, em 1922, surgiu o convite do mestre Jigoro Kano — criador do judô — para que fosse feita uma demonstração pública do karate no instituto Kodokan. Como causou muito boa impressão, Gichin Funakoshi permaneceu em Tóquio por mais algum tempo, a ministrar aulas.
Por volta de 1935, tem início um movimento de alguns discípulos de Gichin Funakoshi, para ter um lugar próprio de treino de caratê e, em 1936, esse esforço dá resultados e é finalmente construído um dojô (道場, sítio de treino?) em sua homenagem e o chamaram de Shotokan, ou "casa de Shoto", colocando uma placa com tal inscrição nos umbrais da entrada. Shoto era o pseudônimo com que Funakoshi assinava seus textos. Infelizmente, o prédio original foi destruído durante um bombardeio durante a II Guerra Mundial.
Gichin Funakoshi não acreditava na diversificação de estilos, e sim que todo o caratê deveria ser um só, mesmo com as diferenças naturais de ensino que variam entre os professores, posto que seu estilo ainda fosse tradicional e intimamente conectado ao estilo Shorin-ryu, com bases altas e golpes duros, tendo como base a filosofia do Budo, em cujo conteúdo há a consciência da busca constante pelo aperfeiçoamento pessoal, sempre contribuindo para a harmonização do meio onde se está inserido, por intermédio de muita dedicação ao trabalho, treinamento rigoroso e vida disciplinada. O praticante do caratê tradicional caminha em direção dessas metas, formando seu caráter, aprimorando sua personalidade.
Noutra mão, o estilo Shotokan era uma escola aberta a novos conceitos, desde que se mostrassem eficientes no escopo do mesmo, que era o aprimoramento moral e físico. Neste sentido, o desenvolvimento do estilo foi mui influenciado pelo o sensei Yoshitaka Funakoshi, filho do mestre, o qual dava o exemplo de afinco ao treinamento e carreou elementos de outras artes marciais japonesas, como os chutes laterais e o emprego de bases bem mais baixas do que aquelas exercitadas nas escolas derivadas dos estilo Shuri-te e Shorin-ryu. Tanto é assim que se pode identificar dois momentos distintos na evolução do Shotokan: a formação, feita por Gichin Funakoshi, e o amadurecimento, encabeçado por Gigo Funakoshi.
A meta imaginada quando do estabelecimento do dojo de Shoto era fazer da arte marcial um contributo para a formação integral do ser humano, não podendo, portanto, ser confundido com uma prática puramente esportiva. "Tradição é um conjunto de valores sociais que passam de geração à geração, de pai para filho, de mestre para discípulo, e que está relacionado diretamente com o crescimento, maturidade, com o indivíduo universal."
A famosa expressão do mestre Gichin Funakoshi - Karate ni sente nashi (No caratê não existe atitude ofensiva) - define claramente o propósito antiviolência.
"Se o adversário é inferior a ti, então por que brigar?
Se o adversário é superior a ti, então por que brigar?
Se o adversário é igual a ti, compreenderá o que tu compreendes...
então, não haverá luta.
Honra não é orgulho, é consciência real do que se possui."
O verdadeiro valor do Karatê não está em sobrepujar os outros pela força física. Nesta arte marcial não existe agressão, mas sim nobreza de espírito, domínio da agressividade, modéstia e perseverança. E, quando for necessário, fazer a coragem de enfrentar milhões de adversários vibrar no seu interior. É o espírito dos samurais.